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A vida boa dos delatores após cinco anos de Lava Jato

A vida boa dos delatores após cinco anos de Lava Jato
Gláucio Dias
mar. 19 - 8 min de leitura
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A Lava Jato proporcionou em cinco anos de investigações bilhões de reais de volta aos cofres públicos e penas de prisão que somam mais de 2 mil anos, tornando-se a maior investigação de corrupção e lavagem de dinheiro que o Brasil já teve. Nunca se reuniram tantas provas e indícios de crimes contra grupos econômicos e políticos tão fortes e amplos. Estes números, apresentados no balanço da operação que completa hoje (19) 5 anos, ofuscam a vida tranquila de delatores que forneceram informações valiosas para esses resultados.

Na República das Delações na qual o Brasil se transformou nos últimos cinco anos, duas delas prometeram implodir dois dos principais partidos. Em 2016, as acusações de Sérgio Machado, ex-presidente da Transpetro, empresa de transporte da Petrobras, prometiam acabar com o MDB. A confissão de Delcídio do Amaral, então senador petista, também em 2016, parecia ser o fim do mundo para o PT. Passados quase três anos, a Revista Época foi investigar como vivem Machado e Amaral e os resultados das duas delações mais citadas pelos críticos do instrumento da delação premiada.

Em Fortaleza, a reportagem da revista encontrou um terreno cercado por largos muros de pedras com seis camadas de cabos eletrificados no topo, uma guarita suspensa de onde o vigia pode enxergar toda a redondeza e, ali perto, a imensidão do Oceano Atlântico. Essa poderia ser a descrição de uma cadeia de segurança máxima em alguma ilha deserta. Mas, dos muros para dentro, uma mansão com quadras poliesportivas, um cata-vento gigante para produção de energia eólica, piscinas e várias construções luxuosas servem na verdade de esconderijo para o homem bomba do MDB, Sérgio Machado.

Em maio de 2016, em delação premiada, ele estarreceu o país ao confessar que, como presidente da Transpetro por 11 anos, enriqueceu a família saqueando a empresa e distribuiu cerca de R$ 100 milhões em propina para o ex-presidente Michel Temer e mais 20 políticos. A confissão, entretanto, não lhe rendeu um só dia de prisão. Machado nem sequer tem o incômodo da tornozeleira eletrônica. O mesmo vale para seus três filhos que o ajudaram a operar as propinas: Expedito Machado Neto, Sérgio Machado Filho e Daniel Machado. Os três vivem como milionários em Fortaleza e no circuito Londres, Nova York e Miami, sem risco de ser presos. Machado escapou da prisão, mas não saiu ileso. Pagou uma multa de R$ 75 milhões — uma das maiores pagas por pessoa física na Lava Jato.

Com as garantias firmadas pelo ex-procurador-geral Rodrigo Janot e o ministro Zavascki, Sérgio Machado decidiu se recolher à mansão de Dunas, bairro nobre com vizinhança de milionários, com vista para a Praia do Futuro, a mais badalada da capital cearense. Devido ao medo de Machado de ser eliminado a mando dos companheiros que delatou, a mansão é guardada por um forte esquema de segurança.

Logo após a delação, acompanhado dos seguranças, ele frequentava a R2 Academia, no shopping RioMar, que fica a poucas quadras da mansão. Tinha como personal trainer o campeão de vôlei de praia aposentado Roberto Lopes.

Caminhava na praia e frequentava as missas da Igreja Nossa Senhora de Lourdes, onde tem, como conselheiro espiritual, o padre Edcarlos Isaías de Souza. O padre é uma das 27 pessoas listadas por Machado, entre familiares e amigos, que poderiam frequentar sua casa quando começasse a cumprir a pena de prisão domiciliar. Essas saídas, entretanto, provocaram a ira de manifestantes, que passaram a hostilizá-lo e chamá-lo de ladrão. Hoje as saídas são cada dia menos frequentes. Não vai mais à academia, não passeia mais no shopping e só vai à missa em dias de semana, quando o público é menor.

Da mesma forma, o ex-senador Delcídio do Amaral, do Mato Grosso do Sul, tornou-se colaborador da Lava Jato depois de descrever em 21 depoimentos crimes sendo cometidos por figuras como os ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva, Dilma Rousseff e Aécio Neves. Após ser cassado pelo plenário do Senado Federal, em placar acachapante — 74 votos a um —, abandonado por seus pares, decidiu colaborar com a Justiça.

Desdobramento de apurações nos últimos dois anos e meio, análise de provas levadas aos autos e depoimentos complementares mostram o baixo valor da colaboração do ex-petista às investigações. E mais: ele omitiu dados relevantes sobre sua conduta, só recapitulados depois que vieram à tona por outras fontes, como os R$ 500 mil pagos a ele pela Odebrecht em 2012, repasses da empreiteira ao PT em Mato Grosso do Sul e pagamentos por fora ao marqueteiro João Santana, no exterior, dez anos antes (Amaral nega este último episódio). A PGR ainda analisa um processo de revisão de sua colaboração premiada. O MPF no Distrito Federal já recorreu à Justiça solicitando a perda de benefícios em pelo menos um dos casos relatados pelo colaborador.

Uma das principais inovações do combate à corrupção no país, cujo uso foi intensificado há quatro anos pelas mãos da Lava Jato, o instituto da colaboração premiada se equilibra, de lá para cá, entre a desconfiança e o reconhecimento de sua capacidade de jogar luz ao que estava condenado a não ser conhecido. Operadores da Lava Jato afirmam que teria sido impossível chegar aos R$ 14 bilhões de devolução aos cofres públicos se não fosse a maior parte das duas centenas de colaborações celebradas até aqui.

No segundo semestre do ano passado, a maioria da segunda turma do STF, que julga boa parte dos casos da Lava Jato, reafirmou em julgamento que a palavra de delatores e provas produzidas por eles não bastam, por si só, para abrir uma ação penal. É uma interpretação mais rigorosa do que já consta na lei: o que diz o delator não basta, a investigação deve buscar por provas de corroboração que independam dele.

Inelegível até 2027, por causa de sua cassação pelo Senado, Amaral tentou se restabelecer na política em 2018. A dois dias do prazo final para filiação partidária, juntou-se ao PTC, partido do ex-presidente Fernando Collor, como candidato ao Senado. O MP eleitoral impugnou a candidatura, mas o político recorreu e conseguiu incluir seu nome na urna. Teve apenas 110 mil votos, o equivalente a 4,76% do total.

Hoje, divide sua rotina entre São Paulo, onde vive parte de sua família, e Campo Grande, onde cuida da propriedade que pertenceu a seus pais. Os anos de exílio político não afetaram o espírito bon vivant — é figura carimbada nas colunas sociais da cidade. “Tivemos uma enchente muito grande, há muitos anos não ocorria nada parecido. Tive de realocar o gado, uma loucura. Ainda aguardo que voltemos às condições normais de temperatura”, disse Amaral, descrevendo sua rotina, no fim do ano passado. O sonho de Cezar Gazolla, presidente do PTC em Mato Grosso do Sul, era tê-lo como candidato ao governo. Ele reclamou das condições que levaram à cassação do novo aliado: “Hoje temos uma Justiça corrompida. Para os amigos do rei, tudo, para os inimigos nada. Essa é a grande frase”.

 

Com informações de Revista Época. 


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